Marcos 6,14-29 (Herodes e Jesus; Execução do Batista)
Esta é a única passagem do evangelho de Marcos cujo protagonista direto não é Jesus. Na realidade, tanto pela colocação como pelo conteúdo, o relato do martírio de João, homem «reto e santo» (v.19), não tem outra finalidade que ser a prefiguração pontual da sorte de Jesus, a quem os Atos referem os mesmos atributos (cf.3,14;7,52). Tanto o Batista, como o Messias, morrem por «vontade» de poderosos perplexos e indecisos. Mais ainda, pode-se dizer que Herodes, infiel a Deus por ter tomado como esposa, contra a lei, a mulher de seu irmão, é um rei adúltero: personificação do pecado de todo o povo que traiu seu Senhor e Esposo para ir atrás dos ídolos. Assim, pois, João morre como Jesus, o justo pelos injustos, porém esta será da mesma forma a sorte à qual estão chamados os discípulos a quem o Mestre envia a pregar a conversão. «A oportunidade se apresentou» (cf.v.21a). Paradoxal coincidência, uma estranha festa para uma vida que, na realidade, é morte e de uma morte que é um hino à vida verdadeira, uma vida que vai além da dimensão temporal, porque é capaz de sacrificar-se a si mesma por amor à verdade. Também o desenlace do banquete resulta grotesco, dado que acaba oferecendo aos convidados, campeões em riqueza, orgulho, poder, luxúria e outras coisas assim, uma macabra bandeja com uma cabeça cortada sob a responsabilidade de uma atrativa jovem. Isto nos faz pensar em muitas de nossas paixões que nos parece impossível deixar de satisfazer… «Seus discípulos foram recolher o cadáver e lhe deram sepultura» (v.29); o mesmo ocorrerá com Jesus, sepultado como semente na terra, da qual, não obstante,servirá para converter-se em pão perfumado oferecido na mesa de seus discípulos, pão para uma vida que não morre.
Hb 13,1-8 (Últimas recomendações; Sobre a fidelidade) “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre” (v.8). Eis aqui a afirmação capital que constitui o fundamento e garantia desta página, uma das conclusões, da carta aos Hebreus, onde se propõem atuações concretas para a vida cristã. Os pontos destacados são vários. Vão desde a perseverança no amor fraterno à hospitalidade, à preocupação pelos presos e pelos que sofrem, pois formam conosco um só corpo, até chegar ao matrimônio vivido santamente. Também o matrimônio dá a oportunidade de pôr em prática a caridade, enquanto a fornicação e o adultério nos afastam do único amor verdadeiro que estamos chamados a receber e intercambiar reciprocamente. O cristão não pode, nem deve viver envolto pela cobiça de acumular: sua verdadeira riqueza é Jesus, e o Pai sabe sempre de que têm necessidade seus filhos. Por isso é importante olhar aos que nos transmitiram o Evangelho, a heroicidade de seu testemunho para imitar sua fé. É precisamente a fé em Jesus Cristo, morto e ressuscitado por nós, o que muda nossa vida e nossas relações, dando sentido e plenitude a toda a história humana. Em Jesus saboreamos o «hoje» no qual descansa nosso coração.
Salmo 26/27 (Junto a Deus não há temor) Este Salmo é uma “pérola” de todo o saltério. Não deixe de lê-lo e meditá-lo muitas vezes sozinho, principalmente nos momentos em que a noite avança e a tristeza nos visita, quando nos sentimos sozinhos e parece que o mal nos vence, e estamos prestes a cair debaixo da cruz. Esta leitura nos faz descobrir a intimidade da oração e da contemplação, por isso ocupa na vida dos místicos e dos santos um lugar todo especial. Deus nos ama e nos esconde no interior de sua tenda.
Senhor, que eu possa experimentar nos momentos difíceis da minha caminhada a certeza do salmista: confiar no teu amor, esconder-me na tua tenda e contemplar a vitória do bem sobre o mal. Que eu, Senhor, possa em cada momento experimentar a suavidade do teu amor. Que este Salmo possa ser o meu forte alimento e o pão da caminhada da minha vida. Amém.
MEDITATIO:
«O Senhor é minha ajuda, não tenho medo; que poderá fazer-me o homem?”(Hb 13,6). A afirmação da primeira leitura parece amplamente desmentida pelo evangelho de hoje, no qual Marcos põe como centro de atenção a João Batista e seu cruel martírio. Sim, há quem, por um capricho simples e trivial, por qualquer motivo fútil, faz calar, com a violência, a voz que convida à conversão, o que anuncia o Reino. O discípulo chamado a seguir Jesus, a pregar aos irmãos em meio a pobreza (cf Mc 6, 7-13), nem por isso fica exonerado da prova, mas ao contrário. Todo o relato de Marcos nos apresenta Jesus trabalhando para fazer compreender aos «seus» o destino do Mestre que sobe a Jerusalém para padecer a paixão. Sem dúvida, Jesus nos convida, também, a não ter medo dos que podem fazer mal ao corpo. Há algo pior que isso: viver sem saber por que e para que se vive. “Todo homem é mortal, porém tem como destino a vida eterna; o importante é entrar conscientemente nessa vida que é Jesus mesmo: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida»(Jo 14,6)”. Constitui uma graça, para quem é discípulo, ser assimilado ao Mestre, até a entrega total de si mesmo no martírio, e esta é uma situação que vive ainda hoje a Igreja em muitos de seus membros. Cada um de nós está chamado a morrer em si mesmo. Ao homem velho, ao egoísmo, ao orgulho, os quais nos impedem viver como o Batista, afirmando: “É preciso que ele cresça e que eu diminua”. Visto que Jesus é o mesmo ontem, hoje e sempre, quanto mais nos perdemos nele, que é o Amor, tanto mais saborearemos a verdadeira Vida.
ORATIO:
Senhor, Salvador nosso, queremos viver contigo e em ti, dedicados por inteiro ao designo de salvação que o Pai concebeu para levar a todos os homens à verdadeira liberdade dos filhos de Deus, já não escravos do pecado, mas capazes de amar. Por isso não desejamos antepor nada a ti; que já não prevaleça em nosso modo de pensar e de agir o homem “‘velho” de carne, que se deixa dominar pelas paixões. Só tu és nossa vida, tu nossa santificação e nossa inexpressável alegria, e quando nos consideres dignos de sofrer algo pela fé, faz que, seguindo o exemplo dos santos, não nos lancemos atrás vilmente, mas que sejamos capazes de renunciar a tudo, que sejamos capazes de padecer e oferecer tudo. Tudo para não trair-te. Tudo para não viver como se nunca te tivéssemos conhecido e como se nunca tivéssemos experimentado o forte que é teu amor por nós.
CONTEMPLATIO:
Existência significa que eu sou só eu e não outro. Habito em mim, e nesta habitação estou eu só, e se alguém deve entrar, é necessário que eu lhe abra. Em horas de intensa vida espiritual sinto que eu sou senhor de mim mesmo. Nisto há algo grande: minha dignidade e minha liberdade; ao mesmo tempo, sem dúvida, há também peso e solidão […]. Também no cristão há tudo isto, ainda que transformado; em sua dignidade e responsabilidade há ainda algo de outro, de Outro: Cristo. Quando pediste a fé ao receber o batismo, aconteceu em ti algo fundamental. Ao nascer, recebeste tua vida natural da vida de tua mãe. Aqui se esconde um novo mistério, um prodígio da graça: foste gerado à vida dos filhos de Deus. Com perfeita simplicidade e vigor diz a carta aos Gálatas: «Já não vivo, mas é Cristo quem vive em mim» (2,20). A forma que faz cristão o cristão, essa que está destinada a penetrar em todas as suas expressões, a ser reconhecida em tudo, é Cristo nele. Em cada cristão revive Cristo, por assim dizer, sua vida; primeiro é criança, depois vai legando gradualmente à maturidade, até que alcança, plenamente, a maior idade como cristão. Cresce neste sentido: cresce sua fé, se robustece sua caridade, o cristão se torna cada vez mais consciente de seu ser cristão e vive sua vida cristã com uma profundidade sempre crescente. Meu eu está encerrado em Cristo, e devo aprender a amá-lo como àquele no qual tenho minha própria consistência. É preciso que eu busque nele a mim mesmo, se quero encontrar o que me é próprio. Se o cristão renuncia às solicitudes que lhe vêm da fé, se degrada. Aqui temos de buscar as tarefas mais importantes da atividade espiritual cristã: referir de novo a vida cristã, tal qual é, à consciência, ao sentimento, à vontade (R. Guardini, II Signore).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
“Para mim o viver é Cristo” (Fl 1,21)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL:
Esta foi à tarefa de Jesus como sumo sacerdote da nova aliança, mediador entre o Pai e a humanidade pecadora: em primeiro lugar, abriu o acesso ao santo dos santos e o adentrou Ele mesmo. Ali é onde Jesus ora agora, neste «agora» sem limites da eternidade que nosso tempo criado não pode fixar nem fazer-nos alcançar, a não ser através da oração. Jesus é, assim, para sempre, o homem da oração de intimidade, nosso sumo sacerdote que intercede. Tal é e tal permanece assim «ontem, hoje e sempre» (Hb 13,8). Ali acima, em Jesus ressuscitado, se encontra também a fonte perene de nossa oração daqui debaixo. Graças à oração estamos próximo dele, alquebrados e ultrapassados os limites do tempo, e respiramos na eternidade, mantendo-nos na presença do Pai, unidos a Jesus. Para chegar ali é necessário percorrer aqui embaixo o mesmo caminho que o Salvador, não há nenhum outro: o da cruz e o da morte. A mesma carta aos Hebreus observa que Jesus padeceu a morte fora das portas da cidade. Em consequência, os cristãos também devem sair «ao seu encontro fora do acampamento e também nos carreguemos com seu opróbio (Hb 13,13), quer dizer, a vergonha da cruz.” Todo batizado leva nele o desejo deste Êxodo para Cristo. “Não temos aqui cidade permanente, mas aspiramos à cidade futura (Hb13,14)”, ali onde está presente Jesus agora. Também estamos já ali na medida em que mediante a oração, habitamos junto a Ele. «Assim pois, ofereçamos a Deus sem cessar por meio dele um sacrifício de louvor, quer dizer, o fruto dos lábios que bendizem seu nome» (Hb13,15). De fato, o cristão, que caminha nas pegadas de Jesus, oferece, como Ele, um sacrifício de oração. Confessa e invoca constantemente seu nome. E depois, no amor, partilha tudo com seus irmãos (El espíritu ora en nosotros, Narcea, Madrid 1985).
COMUNIDADE CATÓLICA PAZ E BEM
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